Venho remeter os meus contributos para o combate à sinistralidade rodoviária, em especial à sinistralidade envolvendo veículos agrícolas.
A – Habilitação legal:
• Em conformidade com a Despacho 1819/2019, de 21-02, os condutores de veículos agrícolas devem obrigatoriamente frequentar ação de formação com vista à melhoria da segurança rodoviária para os titulares da carta de condução válida da categoria B que pretendam conduzir veículos agrícolas da categoria II e para os titulares da carta de condução válida das categorias C e/ou D que pretendam conduzir veículos agrícolas das categorias II e III. O período de carência termina a 22.02.2021;
• Como ações de formação habilitantes, os condutores devem frequentar a ação de formação “Conduzir e operar com o trator em segurança (COTS), de 35 horas, prevista na alínea d), do art.º 2.º, do Despacho 3232/2017, de 18-02, ou a Unidade de Formação de Curta Duração (UFCD) 9596, do Catálogo Nacional de Qualificações, de 50 horas;
• As ações de formação devem ser ministradas por entidades previamente certificadas como entidades formadoras, sendo as ações de formação homologadas e os formandos avaliados, conforme disposto no art.º 5.º, do referido Despacho 3232/2017, de 18-02.
B – Veículos agrícolas:
• O Grupo de Trabalho criado pelo Despacho 295/2017, de 05-01, do qual a ANSR faz parte (cujo mandato já se encontra renovado), que procede à análise da sinistralidade com tratores e à definição de medidas de combate, muito contribuiu para a melhoria do conhecimento dos acidentes com veículos agrícolas. O relatório anual produzido constitui uma fonte fundamental de informação para a definição de orientações políticas, legislação e fiscalização, com vista a uma maior eficácia no combate à sinistralidade rodoviária;
• A nível europeu não foi produzida a Diretiva Especial para a agricultura por falta de consenso político, conforme previsto no n.º 1, do art.º 16.º, da Diretiva-quadro 89/391/CEE, de 12-06. Nesse contexto, cada pais assumiu as sua orientação política relativamente a eventuais medidas que pudessem ter sido tomadas relativamente aos veículos agrícolas. A homologação dos veículos agrícolas encontra-se definida no Decreto-Lei n.º 74/2005, de 24-03 (na redação atual). Enquanto os países do norte da europa optaram por instalar estruturas de proteção – arcos de segurança, quadros de segurança ou cabinas – em todos os veículos agrícolas (novos e usados), em Portugal optou-se por instalar estruturas de proteção nos tratores novos, matriculados após 1 de janeiro de 1993, conforme Portaria n.º 517-A/96, de 27-09. Para efeitos de trabalho, os equipamentos de trabalho, onde estão os veículos agrícolas, devem ter estruturas que garantam volume de segurança suficiente em caso de capotamento (estrutura de proteção e cinto de segurança), conforme disposto no art.º 23.º, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25-02;
• Assim, em Portugal cerca de metade dos tratores em circulação na estrada não dispõem de qualquer estrutura de proteção – arco de segurança, quadro de segurança ou cabina – nem sistemas de retenção, por não serem obrigatórios. Mais, dificilmente estes tratores serão substituídos ou serão alvo de legislação que torne obrigatória a instalação dessas estruturas que protejam o condutar em casos de reviramento;
• Inovação tecnológica: o elevado número de tratores antigos merece uma atenção especial devendo ser fomentado um programa de renovação e reequipamento das explorações agrícolas para a modernização do parque de tratores a nível nacional, designadamente com estímulos positivos que fomentem o abate de tratores antigos, sem estruturas de proteção, em troca de tratores novos e mais seguros. O Estado, através do ministério da agricultura, e as organizações de produtores, através do Sistema de Aconselhamento Agrícola e Florestal, tem aqui um papel importante com a informação técnica, formação e aconselhamento dos produtores agrícolas e florestais. Deve desempenhar um papel central na apresentação das melhores opções, podendo contribuir para uma maior rentabilidade e eficácia de utilização, uma amortização mais rápida e substituição mais regular, de forma a acompanhar a evolução da segurança e da técnica, podendo contribuir para a redução do número de tratores em utilização/circulação no nosso País;
C – Orientações políticas, legislação e fiscalização:
• Relativamente às orientações políticas, devem ser promovidas alterações legislativas que fomentem a instalação obrigatória de estruturas de proteção e de sistemas de retenção em todos os tratores, bem como da inspeção dos mesmos de forma a garantir a verificação, a manutenção e a instalação e funcionamento da sinalização, nomeadamente a luminosa (pirilampo). Os veículos agrícolas, à semelhança do enquadramento legal do arquipélago dos Açores, devem ter enquadramento legislativo para tornar obrigatória a inspeção periódica, por forma a garantir a regular manutenção do trator, as verificações do funcionamento da sinalização, o estado de conservação das estruturas de proteção, dos pneus, dos travões (dois), dos aceleradores (dois), das embraiagens e dos órgãos de trabalho (sistema de levantamento hidráulico, tomada de força, barra de puxo e tomadas de pressão hidráulica). Nessa inspeção deveriam ser avaliadas as estruturas que permitem o equilíbrio da máquina, designadamente pela distribuição de massas (água nas rodas, pesos frontais, pesos nas rodas, entre outros;
• A partir de 29.12.2009 os tratores tem de ter marcação CE, conforme disposto no Decreto-Lei n.º 103/2008, de 24-06. Até essa data só as estruturas de proteção tinham de ter marcação CE de conformidade (obrigatória nas estruturas de proteção desde 01.01.1996);
• Não posso deixar de referir que a legislação necessita ser revista, designadamente a respeitante à presença e utilização/funcionamento da sinalização de marcha lenta (vulgo pirilampo rotativo) cujo enquadramento legal deve tornar obrigatória a instalação e utilização sempre que o veículo agrícola circula na estrada (previstas coimas para ambas as situações – presença e utilização). Atendendo a que o legislador previu sancionamento para a não utilização da sinalização luminosa na via pública e omitiu o sancionamento para a não instalação, muitos dos utilizadores retiram a sinalização;
• O planeamento da fiscalização deverá, entre outros, refletir o conhecimento da sinistralidade e deverá incidir sobre a habilitação legal, a utilização das estruturas de proteção em posição ativa e a utilização do cinto de segurança (se presentes na máquina), sobre a ligação dos dois travões na estrada para evitar o risco de reviramento e sobre o transporte de passageiros no veículo agrícola, em especial no estribo e guarda lamas. O transporte de passageiros (trabalhadores agrícolas) encontra-se regulamentado no Decreto-Lei n.º 221/2004, de 18-11. Atendendo ao elevado número de veículos agrícolas sem estruturas de proteção e sistemas de retenção, devem estes condutores, geralmente de idade muito avançada, ser sensibilizados para os riscos da condução desses tratores;
• Em suma, importa desenvolver um propósito de ação coletiva e uma atuação consistente que promova a resolução do problema associado aos acidentes com tratores na estrada, em especial promover a melhoria a nível comportamental. As instituições públicas, as organizações privadas, os cidadãos, as empresas, os trabalhadores e seus representantes devem promover a mudança dos comportamentos dos condutores e operadores dos tratores, designadamente quanto ao consumo de álcool, presença de menores, transporte de pessoas sobre o trator, utilização da estrutura de proteção e do sistema de retenção e perceção e dimensionamento do risco de reviramento.
Contributo não contém anexo
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